sábado, 30 de outubro de 2010

Café Frio


- Qual o problema com você hoje? Não pode passar o dia inteiro na cama. – Ele falava suavemente enquanto ela continuava deitada em posição fetal, os olhos bem fechados, meio encoberta no lençol branco, difícil saber onde acabava o lençol e começava a pele. Ela respondeu apenas com um gemido doce. – Eu sei que o dia está ótimo para isso, mas pelo menos fale alguma coisa, pelo menos me mande embora. Você não pode passar um dia inteiro sem nem mesmo abrir os olhos, estou aqui a horas tentando falar com você, qualquer sinal de que você está bem serve.
A voz dele já tinha assumido um tom suplicante a mais de meia hora, ele estava prestes a desistir, e ela sabia disso. Não era do feitio dela fazer aquilo, já estava perto de anoitecer, ela tinha matado aulas, deixado de lado o livro da cabeceira, por mais que ele fosse tranqüilo não tinha como não se preocupar com aquilo. Ela abriu um dos olhos que ele tanto gostava, apenas um, e deu um meio sorriso, de leve, quase irônico, mas sincero. Ninguém conseguia sorrir daquele jeito se não estivesse bem. Aquilo o deixou mais tranqüilo, embora não menos curioso. Deu um longo suspiro. Foi para a cozinha e fez um café, golpeou algumas letras da velha máquina de datilografar que ela lhe dera de presente alguns meses atrás. Não saiu muita coisa daquela cabeça, não costumava escrever sem música, mas naquele momento estava com muita preguiça para fazer qualquer coisa, até mesmo simplesmente colocar uma música para tocar. Isso lhe acontecia com certa freqüência, ela deveria estar começando a se parecer com ele, mas isso não deixava de ser estranho, ainda não estavam morando juntos, embora passassem a maior parte das horas livres juntos. Ele tinha muitas horas livres, ela não. Talvez seja uma das vantagens que se ganha quando decidimos escrever: ninguém vai te respeitar enquanto você estiver vivo, e nunca vai conseguir uma vida digna, mas pelo menos sempre vai ter tempo livre, todas as outras atividades se tornam secundárias, não importa o quão a sério você as leve. Não gostava do café quente, sempre deixava esfriar por uns bons minutos antes de tomar o primeiro gole.
Começou a ficar escuro demais para escrever. Arrancou a página da máquina e a amassou, mastigou por alguns segundos e jogou no lixo a folha salivada. Levou a caneca de café até a pia. Não acendeu nenhuma luz, simplesmente foi para o quarto. Ela ainda estava deitada na mesma posição. Os cabelos escuros e volumosos ocupando boa parte da cama. Sentou-se apoiado num dos travesseiros. Se nenhuma resistência levou a cabeça dela até o seu colo. Pode ver aquele sorriso de novo, mas nenhum dos olhos. Ele também fechou os olhos e começou a pensar, difícil dizer em que. Não saberia dizer que horas seriam quando finalmente ouviu ela começar a ressonar. Acariciou lentamente os cabelos ondulados, sentiu a pele macia com cuidado. Não muitas horas atrás aquele nariz e lábios pequenos estavam começando a desinteressá-lo, mas naquele momento, depois de um dia inteiro no qual ela se recusara a falar, cada palavra que pudesse sair daqueles lábios lhe seria valiosa, cada vez que o ar que saía daquele pequeno nariz batia no seu peito se sentia mais tranqüilo, por saber que apesar de imóvel ela estava bem. A escuridão das janelas fechadas não lhe permitia enxergar as expressões do rosto dela, mas a pesar disso sabia que estava sorrindo.
Na manhã seguinte acordou cedo. Enquanto fazia café escreveu algumas palavras, achou que hoje seria mais produtivo. Estava certo, de certa forma. O dia ainda estava com aquela cor acinzenta que só tem pela manhã mas colocou algumas músicas para tocar. O café já deveria ter esfriado, voltou para a cozinha e encontrou-a lá. Vestindo apenas uma das camisas velhas dele, de um azul meio acinzentado, como o céu pela manhã. Segurava duas canecas com café e quando se virou para ele estava rindo, não sorrindo, e de um jeito que não era de todo inocente. As canecas de café ficaram pela metade, e geladas. Aquele dia os dois passaram na cama.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O dilema do mágico

Ao perceber que o truque daria errado – e ao constatar as inevitáveis consequências disto – o mágico se viu enfrentando um curioso dilema:

Afinal de contas, de qual das metades de sua assistente ele gostava mais?

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Pretensão Poética número um(nico)

Provavelmente havia um caracol
- em algum lugar do Universo -
                                                                    naquela noite
                                                                     - naquela noite,  uma menina
[bonita dormia -

Caracóis não precisam pensar a respeito pra comer suas folhinhas
[verdes
- meninas bonitas não precisam pensar a respeito pra alguém
[amar elas.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Last Goodbye

Já alguns dias tinham se passado, mas ele ainda não lera a carta de Julia. Sempre a carregava consigo mas a coragem sempre lhe faltava quando pensava em desfazer as dobras que escondiam a última mensagem que ela havia lhe deixado. Dobraduras tão cuidadosamente feias que pareciam negar a situação na qual haviam Sido confeccionadas. Ter aquela carta junto a si era talvez uma forma que ele encontrara de tê-la sempre por perto, ela que materialmente deixara pouco, apenas algumas fotografias, na maioria das quais ela sequer aparecia; não ler a carta era uma forma de manter o relacionamento como algo bom, algo que se mantinha intacto.

Agora era comum que às vezes não conseguisse ficar em casa. Saía pela porta de repente, sem que realmente pensasse em fazê-lo, e vagava pelas suas sem destino, sempre com a carta. Naquela noite, quando se deu conta estava com os olhos em lágrimas, lagrimas gélidas num frio que o castigava, pois sob as duas fileiras de botões fechados do sobretudo vestia apenas uma calça jeans, tinha esquecido de se proteger melhor, só por reflexo não esquecera de vestir e fechar o casaco. A respiração saía do nariz avermelhado e se condensava no ar, os dedos estavam congelando, se remexendo nos bolsos como vermes, sem luvas para protegê-los. Esses dedos acabaram por encontrar a carta. Até então ele não pensava em nada.

Nunca fora muito afeito a bebedeiras, ao menos não até o acontecido com Julia, e mesmo depois de passados esses meses nos quais a bebida se tornara muito mais próxima ainda não conseguia reagir bem a ela. Talvez fosse esse o preço por começar tarde. Mas não se importava muito com isso, só queria esquecer, parar de pensar nela por alguns momentos. Na verdade suspeitava que nem mesmo isso conseguia, mesmo bebendo não devia conseguir tirar a impressão que ela causara em sua alma assim tão fácil. Mas no fim o resultado era o mesmo, na manhã seguinte não conseguia lembrar nada que havia pensado na noite anterior, e para ele isso tinha o mesmo efeito que não pensar em nada. Algumas vezes ficava preocupado com o que poderia fazer enquanto estava bêbado, e se enraivecia com a sujeira que tinha de limpar todos os dias, tivera até mesmo que jogar fora alguns livros e objetos de casa pois não podiam ser mais úteis, e cheiravam como o inferno. Apesar disso nunca tentara nada mais pesado do que a bebida. Ao menos até agora ela estava servindo muito bem ao seu propósito, se algum dia isso deixasse de ser verdade pensaria no que fazer. Ou melhor, não pensaria, simplesmente faria. Já começava a se conformar que cedo ou tarde se daria um fim semelhante ao de Julia.

Encontrar a carta automaticamente o levou ao bar mais próximo, onde gastou todo o dinheiro que carregava consigo e grande parte das horas que deveria passar dormindo. Quando saiu do lugar não conseguia pensar, mas isso não quer dizer que os seus sentimentos o tivessem deixado, muito pelo contrário, sem o pouco de razão que ainda lhe restava deixava as lágrimas correrem soltas pelas bochechas, verdadeiros rios. Começou a correr, e correu por aquilo que pareceram ser horas, sob o sobretudo já estava muito suado e no horizonte já se divisavam indícios de Sol, aqueles que lentamente vão tornando a noite azulada para depois de repente derreter no cinza que precede a alvorada. Talvez o suor tivesse feito com que o álcool se tornasse ineficaz, e ele chorou ainda mais por isso, não conseguira esquecer aquele momento em que sua mão fria encontrou a carta num dos bolsos. Talvez não saber nada sobre os motivos que levaram Julia a tão desesperada medida fosse uma das coisas que mais o afligia. Em sua ignorância não conseguia evitar os pensamentos que a culpa fosse dele. E com esse tipo de pensamentos é difícil viver em paz. Decidiu que se não era aquele o momento de por fim ao seu sofrimento era ao menos o de por fim à sua dúvida. Lentamente retirou a carta do bolso e desfez as dobraduras, em vários momentos chegando muito perto de desistir, de deixar para outro dia. Mas talvez o efeito do álcool não tivesse passado de todo, se sentia corajoso.

Não pode impedir que as lágrimas voltassem a seu rosto, dessa vez ainda mais abundantes. Não pode impedir que o dia começasse e o mundo acordasse enquanto lia cada palavra – cada letra – que Julia lhe deixara com cuidado. E não pode impedir que seus pés voltassem a correr quando descobriu o motivo, ainda no meio da carta, mesmo sem saber para onde eles o levavam, que fim o aguardava. Não pode impedir que o motorista se surpreendesse ao ver surgir um homem aos prantos correndo frente ao seu carro. Da mesma forma não conseguiu impedir que o choque quebrasse muitos de seus ossos, abrisse muitos ferimentos. Não pode impedir que o vento levasse sua carta – a carta de Julia – não se sabe pra onde, para sempre impedindo-o de lê-la. Não pode impedir que a ambulância demorasse mais do que poderia. Não pode impedir que seus olhos se fechassem, para sempre.


 

***

Passei muito tempo sem escrever sobre isso. De fato, passei muito tempo sem escrever aqui no blog. Podia dizer que estava em crise criativa, e de certa forma isso ia ser verdade, mas não ia ser desculpa. Mas nenhuma história devia passar tanto tempo assim sem ser trabalhada antes de ser concluída, a não ser que o autor se proponha a revisá-la por inteiro. Não fica a mesma coisa, ela perde a pegada inicial, perde o feeling. Sem falar que perde apelo para com os leitores, hehe. Então acho que vou acabar essa história por aqui, da próxima vez vou trazer alguma coisa diferente, talvez até mais feliz – provavelmente não pesada a ponto de conter suicídio, quero dizer. Mas por enquanto é isso, espero que tenham gostado!

P.S: No último parágrafo me utilizei da tal "licença poética" na concordância para tentar criar um efeito mais subjetivo, espero que tenha funcionado.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

F.

F. era filósofo, poeta, apostador trapaceiro, cozinheiro amador e espião internacional, segundo seu currículo mais recente (no qual o título de poeta fora incluído, depois de ele ter feito seu primeiro soneto).

O lance era, dizia F., não ser realmente bom em nenhuma dessas coisas. Era parecer bom. Meia dúzia de palavras bonitas e sem muito significado para uma platéia razoavelmente inocente ou bêbada faziam um filósofo. Rimas ricas e bem polidas, ainda que vazias, faziam o poeta.

Para parecer ser um apostador trapaceiro realmente genial, F. afirmava, o truque estava em perder de tal modo que seus adversários no jogo começariam a se perguntar: ele trapaceou para perder? E a quem quer parecer um bom cozinheiro amador, basta sempre dizer que "não cozinha nunca sem sua faca da sorte", ou que "esses fogões a gás atrapalham o sabor da minha receita". E se sugerirem, continuava F., um jantar na sua casa, diga que seu estoque de pinheiro da babilônia para o fogão a lenha ainda não chegou, ou que a faca da sorte está sendo afiada por um velho mestre chinês seu amigo, e peça pizza.

F. não sabia, porém, o que fazer para parecer ser um bom espião internacional. A gravata borboleta, talvez? O penteado bem cuidado? Talvez aquela capacidade de dar um sorriso com apenas metade da boca. Não sabia. Ele parecia, de fato, ser um espião internacional muito bom, mas era meramente acidental.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Talvez Uma Intervenção 4 (Ou perdido na terra do Sol)

Eu detesto calor, detesto Sol. Sempre preferi os dias nublados e frios, dias cinzentos, de preferencia com alguma névoa. Absurdo parece ser então o fato que nasci num dos lugares mais quentes desse país que chamamos Brasil, o sertão nordestino. E nessas férias finalmente voltei à minha terra natal, depois de quase um ano e meio longe, morando na paulicéia desvairada. Não posso dizer que tudo foi ruim em voltar para cá, muito pelo contrário, reencontrei amigos dos quais sentia muita falta, daqueles poucos que encontramos em nossas vidas e podemos chamar de irmãos. Tive tempo para ler e reler várias coisas. No entanto outro tanto teve de ser sacrificado, como por exemplo escrever aqui no Talvez. Infelizmente não tenho instabilidade na internet por aqui. Não que esse tecnologia não tenha chegado mas porque quando se está na casa de parentes não se tem total liberdade para monopolizar o computador, mesmo que por poucas horas.
É por isso mesmo que fiz esse post, meus outros textos aqui devem atrasar um pouquinho, mas logo vou concluír a estória que vinha contando e depois, bem, o que vier depois será sabido depois.

Cuidem-se todos!

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Malditas Tirinhas Invisíveis #3

Dois garotos sentados no balcão da pastelaria, cada um com um guaraná nas mãos.

- Jujuba, percebi finalmente o problema da literatura contemporânea - diz Tim - faltam aqueles bons e velhos diálogos espirituosos! Só se tem conversas bobas e inconclusivas!

Jujuba, após tomar um gole filosófico de guarana, responde:

- Pois é.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

So Real

O quarto estava em penumbra, mas ainda assim era fácil distinguir as formas. As duas portas estavam fechadas, assim como as cortinas da grande janela. A mobília era modesta: uma cama, que apesar de grande ocupava pouco do espaço total; um grande amontoado de livros, encostados em uma parede, no chão mesmo; e um pequeno móvel, com quatro gavetas, nas quais Julia presumiu que estivessem as roupas, e sobre o qual se encontravam uma máquina de escrever e uma vitrola. Logo ela percebeu que entre o amontoado de livros também estavam alguns discos.

Ele foi diretamente para a pilha e pegou um deles, colocando-o na vitrola. Era a primeira vez que levava Julia até lá. Não fazia idéia de como as coisas naquele quarto mudariam por conta dela. Eles mesmos mal se conheciam, mas de alguma forma que não precisavam explicar sentiram-se íntimos, não viram porque esperar, e, quando estavam os dois naquele quarto pela primeira vez, ambos sabiam que aquilo era certo, que de alguma forma as coisas estavam acontecendo da forma que deveriam, aconteciam da melhor forma possível. Talvez o quarto em si tivesse uma certa magia, pois se antes de chegarem ali existia alguma dúvida, algum receio que estavam se precipitando, quando as portas foram fechadas e a música tomou conta do espaço confinado, elas deixaram de existir, eram dois amantes habituados um ao outro, mas que ainda assim encontravam novidade em estarem juntos, eram dois pólos que se conheciam e se atraíam de modo selvagem.

Ela deitou-se na cama e as mãos dele foram lentamente aventurando-se pela maciez daquelas pernas, desde os pés até onde as longas pernas terminavam, ou começavam. Era difícil separar as sensações naquele momento, ao mesmo tempo tão onírico e tão real. Era impossível conectar os pensamentos, toda a propensa racionalidade humana se esvaía no contato entre a pele dos dois, não conseguiam ir muito além daquilo que sentiam no momento, e isso pouco queria dizer, até onde sabiam não existia nada além daquilo que sentiam, nada que fosse tão longe ou que fosse tão significativo. Os beijos loucos, as pequenas mordidas, mesmo os sorrisos que não eram de fato apenas maliciosos como não eram também apenas alegres. Entre uns gemidos e outros foram professadas as primeiras palavras de amor, não palavras vazias, mas juras, tão reais para ambos como tudo naqueles momentos, juramentos que não chegavam a ser inconseqüentes pois eram sinceros, que não eram elaborados, pois careciam de razão e sentido, mas que ainda assim queriam dizer muito mais que os mais belos votos de união, abarcando em poucos lampejos, poucos segundos, algo que nunca saberiam explicar, nunca conseguiriam de fato desfazer. Encaixavam-se perfeitamente, e pouco mais pode ser dito quanto a isso.

Quando a manhã já se aproximava, e as cortinas não conseguiam mais manter fora do quarto alguns grãos de claridade, transformando a penumbra que ocupara o lugar por toda a noite em algo cinzento e frio - e cortante como uma lâmina -, ainda estavam abraçados. O disco ainda girava mas a agulha já passara por toda sua extensão há muito tempo, muitas horas, algumas das quais o silêncio foi total, em outras era possível escutar pequenos ruídos, alguns sussurros, algumas palavras perdidas depois de tantas cheias de significado, se é que essa palavra se aplica a coisas tão sublimes. Estavam felizes, e, como se fossem dois adolescentes, acreditavam que aquilo que tinham encontrado de bom seria diferente de todas as coisas ruins, que aquilo que tinham durariam para sempre. E, ainda como dois adolescentes, estavam certos, mas apenas em parte.

***

Mais alguns fragmentos da estória que comecei a contar no meu post anterior. Dessa vez uma postagem bem corrida, escrita em pouco mais de meia hora, espero não ter deixado escapar nada muito importante, pois detesto revisar aquilo que escrevo. Escrita em uma madrugada em que muitas palavras ainda esperam para ser escritas, mas não aqui. Isso de fazer as coisas em pouco tempo pode ser uma forma eficaz de manter os textos em controle, impedindo que fiquem muito grandes. Em vista de algumas dúvidas deixei de lado o nome do protagonista, ao menos por esse fragmento, não fez falta nenhuma, acredito. Como podem ver essa estória não vai seguir a ordem cronológica dos acontecimentos. Espero que tenham gostado, ainda tenho algumas coisas pra falar sobre esses personagens, talvez até mesmo sobre esse quarto, então até a próxima!

"...all my riches for her smiles when I slept so soft against her"

- Lover, You should've come over; Jeff Buckley

terça-feira, 29 de junho de 2010

Malditas Tirinhas Invisíveis #2

Dois garotos sentados no sofá da sala da mãe do Tim. Transitam aleatoriamente pelos canais, desesperados: o videogame está quebrado e a internet caiu.

- Jujuba, esse Superpop...

- Que tem, Tim?

- Ou falam coisas idiotas sobre coisas relevantes, ou mostram desfiles de lingerie, ou bizarrices como casais brigando por nada e coisas assim! E tem gente que assiste!

- É verdade. E daí?

- Orra, cara, e daí que onde é que a mídia vai parar desse jeito?

Jujuba daria um gole filosófico de guaraná naquele momento, se sua mãe lhe permitisse guaraná no meio da semana, antes de responder.

- Provavelmente... Casais bizarros brigando por coisas relevantes. De lingerie. Ou alguma coisa do tipo.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Good Luck Living

Julia estava sentada na cama, as costas apoiadas num travesseiro e coberta apenas pelo lençol fino, quase que fino demais para esconder a nudez da mulher. Ela fitava o nada, como que absorta em pensamentos da mais profunda importância. A fumaça lentamente subia do cigarro que segurava em uma das mãos, espalhando-se pelo quarto, que apesar de não ser exatamente pequeno ficou com um aspecto brumoso. O cigarro se consumia parado naquela mão que não se movia; as cinzas caindo na cama e no piso. As janelas estavam fechadas, assim como as cortinas, deixando, no entanto, que passassem borrões de luz do mundo externo. Dentro o quarto estava em penumbra, a pouca luz vindo através de uma das duas portas, que estava entreaberta, a outra estava fechada.

Atravessando a porta entre aberta chegava-se ao banheiro, e nele Jeff se barbeava. Nunca pensou que não fosse se importar em dividir um banheiro; quando era pequeno detestava que alguém além dele usasse o que costumava usar, o cheiro mudava, ficava diferente por dias mesmo que tivesse sido usado apenas para lavar as mãos, mas com Julia era diferente. Talvez por que ele gostasse do cheiro dela, talvez por que os dois tivessem o mesmo cheiro, ele simplesmente não conseguia diferenciar, era como se ela não o usasse, apesar de alguns fios de cabelo longos atestarem que ela estivera por ali. Era costume de Jeff se barbear à noite, mesmo agora quando seus olhos começavam a falhar e suspeitava que em breve teria que passar esse hábito para o dia, ou deixá-lo de lado por completo, mas Julia não ia gostar. Ela dizia não se importar com esse tipo de coisa, com esses detalhes, mas ele não acreditava, não por completo, talvez porque ele considerasse que os dois eram muito parecidos para que ela simplesmente não se importasse. A fumaça começou a entrar pela fresta da porta. Jeff disse a Julia para abrir a janela, coisa que ela nunca fazia, mesmo sabendo que a fumaça do cigarro sempre o incomodava um pouco, talvez uma retribuição tácita pela preguiça dele em fazer a barba. Ele ouviu a janela ser aberta, e isso o surpreendeu um pouco, ela não costumava fazer isso, embora ele não perdesse o hábito de pedi-la. Ele era um homem de hábitos, ela um espírito rebelde, ele muitas vezes esquecia isso, ou deixava de ver nos momentos em que achava as similaridades entre os dois. Logo depois uma música começou, suave. Ele sorriu, sem querer criando um pequenino corte numa das bochechas. Era um disco que havia sido importante para eles no começo do relacionamento, ele se sentiu feliz por ela ter lembrado.

Quando Jeff saiu do banheiro, ainda com uma marca avermelhada no rosto, olhou diretamente para a cama, com um largo sorriso, mas se surpreendeu ao vê-la vazia. Olhou para a janela, uma última vez os olhos dos dois se cruzaram, e então os dela se foram, caindo pelo precipício, para sempre apagados do brilho que tinham em vida. Julia se foi pela janela do décimo primeiro andar, deixando para trás apenas um cigarro apagado sobre uma folha rabiscada às pressas -sua última carta- e uma velha canção.

***

Então pessoal, essa é uma história bem triste, eu sei, mas essa é só uma parte dela, não tenho a intenção de trazê-la em ordem cronológica, são pequenas estorinhas sobre a memória, e como tal não se apresentam de forma ordenada. Eu espero que todas as partes sejam curtas como essa mas não dá pra ter certeza, essa mesmo foi reduzida bastante da sua versão primeira (aquela que ainda está na minha cabeça). A idéia para essas estórias apareceu enquanto eu ouvia Jeff Buckley, apesar de não ter nada em comum com as músicas dele de forma geral elas foram uma fonte de inspiração, então é possível que eu faça algumas referencias, isso sempre me pareceu uma idéia interessante afinal de contas.

"Don't fool yourself, she was trouble from the moment that you met her."

- Jeff Buckley, Forget Her

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Malditas Tirinhas Invisíveis (edição com falas em inglês!!!) #1

Numa estação espacial remota, Darth Blogger e seu aprendiz Emannuluke Skywritter reúnem-se. O jovem está ajoelhado, olhando preocupado para o chão. Não sabia o motivo de o mestre o ter convocado tão subitamente.

A respiração rouca de Darth Blogger se pronuncia. Ele está prestes a se exaltar. O jovem se assusta. Subitamente, porém, cessa o perigo. O mestre contém sua fúria e só diz ao aprendiz uma coisa:

- I find your lack of posts disturbing.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Talvez um conto

Não faço idéia do que seja isso. Na hora, parecia uma boa idéia:

"Tirava a poeira de sua arma enquanto o cavalo seguia preguiçoso pela estrada de terra molhada. Era herói profissional já há muito tempo, o certificado e a licença estavam no alforje, e por mais que a calça e a camisa e mesmo o chapéu pendessem moles e desanimados, sujos com a poeira de estradas anteriores, sabia da importância de uma pistola lustrosa.

Pois os homens só lhe olhavam a roupa quando a arma não estava na mão, e as mulheres não olhavam mais pra heróis depois que eles passavam da idade de ficar rico. Já havia passado há um bom bocado de tempo da idade de ficar rico. Mas o que sempre amara de verdade não era dinheiro ou mulher. Era a estrada. Ficar sozinho em viagem é uma paixão que pega rápido, pr’os que têm disposição.

Cercada de árvores que era a estrada, lançou um olhar lento e fundo na direção do barulho que ouviu vindo do verde mais úmido. Um chlap-chlap cadenciado, obediente. Outro cavalo, menos empreguiçado que o seu, vindo de o que? Uma trilhazinha, sim, era o que lembrava, ia cruzar com esta estrada mais pra frente.

O mundo insistia em o fazer encontrar-se com pessoas diversas nesses cruzamentos entre trilhazinhas e estradas. Na última dessas a cigana lhe queria ler o destino, mas ele recusara, que isso de destino não havia mais depois de sua idade.

A cigana ficara brava. Em seu tempo de antes da idade de ficar rico, teria pensado assim: A cigana ficara brava, pobrezinha. Mas muito se vai depois que o herói passa da idade de ficar rico, inclusive a capacidade de pensar na cigana como pobrezinha.

Essa vez, que a partir de agora era a última, ou, a nova última vez, que era agora, não era cigana. Era um que fazia seu cavalo preto lustroso e gordo andar cadenciado. Daquele tipo de gente que as vezes se era contratado pra matar. Pelo chapéu e pelo fraque e pelo bigode fino e pelos pedaços de vidro redondos na frente dos olhos, devia ser filho de prefeito, ou gente alta das cidades.

Só tinha ido às cidades nas épocas mais magras, em trabalhos mais provisórios que o normal, que as cidades o cansavam com tudo aquilo de gente e barulho. Fora seu erro. Os que ficavam ricos eram os que ficavam nas cidades. Não há espaço para heróis se não ao lado de um político ou de um comerciante graúdo, daqueles de vender pra cidades distantes e tudo mais. Daqueles que tem retrato do Imperador na parede e contato constante com os Generais.

Boa tarde, cavalheiro, falou o homem de fraque. Não sabia se o cavalheiro era distinção ou... como se dizia? Ironia. Resolveu que era distinção, por que não se faz isso de ironia com quem está lustrando uma arma.

Pois está boa, respondeu, espero que a sua também. Ficou quieto, que já não conversava com ninguém fazia tempo. Se lhe risse o jovenzinho de bigode pequeno das palavras, tinha medo de o querer estourar. E o povo das cidades ri de qualquer palavra errada que não seja a deles.

Mas ele queria conversar, e não seria rude de não responder nada, que não era homem de rudezas com quem não tinha virado inimigo ainda.

Você por acaso está indo para os lados da vila de Trasmorro? Estava. E respondeu afirmando, suspiro temendo ser acompanhado. Bom!, eu venho vindo do litoral até aqui, já passei um tempo bom perdido nessas trilhas, o homem deu uma risada, vou lhe acompanhar até Trasmorro então, tenho um serviço para fazer por lá.

Também achava que tinha um serviço pra fazer em Trasmorro. Nenhuma certeza, na verdade. Mas o Pai da Vila mandara chamar. E o povo das vilas costumava pagar rápido pros serviços de heroísmo mais urgentes. Não que pagar rápido fosse o mesmo que pagar muito, mas já passara da idade de ficar rico mesmo."

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Romance de Carnaval

"Fitas coloridas. Manchas alcoólicas tremulam na multidão. O samba que invade o peito não é o mesmo de outros carnavais. É uma cópia distinta que sacode, sempre sem motivo, como se fosse o primeiro ímpeto de dança que já teve em sua longa vida. Nesta tarde de festa, a colombina não saiu a exalar seu charme de mistério resolvido nos salões da vida. Foi visitar a mãe que passara mal na véspera.

A fantasia jazia apagada no armário, mas o Pierrot não derramou lágrima sequer. Depois de incontáveis tragos saiu agarrado a uma morena faceira que sambava descontraída no salão e cuja fantasia não conhecia.

O velho Arlequim já havia sumido a tempos. Pitava um cigarro em certo porto inseguro de uma cidade qualquer acompanhado agradavelmente por suas desgraças. No silêncio de um minuto de reflexão, criou uma música. Talvez um samba diferente para outros carnavais mais despreocupados.

E tudo era dança, agitação. Aquela folia gasta que envolvia os corpos e fazia com que não ouvissem nada, seja passado, presente ou futuro. Porque no fundo todos sabiam que, naquele romance de carnaval, pouco importava a fantasia."

Pelas mãos da M.A. cujos textos vocês podem achar em maior quantidade aqui. Gosto dos tons simultaneamente melancólicos e suaves que ela dá mesmo a alguns temas sobre os quais eu só conseguiria fazer estorinhas felizes e espero que vocês também gostem (e comentem por lá - ela adora comentários).

Esse texto, obviamente, se encaixa na parte da proposta do blogue sobre trazer contribuições de escritores amigos (ou enamorados, no caso específico) e me dá alguns dias para terminar de escrever o enfim não-mini-ou-meta texto para postar.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

T.U.I. #3 (ou Sobre como minhas postagens deviam ser)

Eu não sei escrever postagens para blogs. Por mais que já devesse estar acostumado a fazê-lo ainda não consigo. Já publico textos por meio virtual com certa freqüência a pelo menos 3 anos e ainda assim nunca perco os hábitos que tenho quando escrevo algo em meus velhos caderninhos, por isso acabo por muitas vezes preferir escrever por aqui textos como esses, mais pessoais e com tendência a serem uma simples observação sobre a vida, o universo e tudo o mais, como fazem alguns dos meus blogs favoritos. Tenho a convicção de que se fosse realmente me dedicar a publicar nesses espaços contos ou coisas do gênero acabaria sendo um importuno para os leitores, que muitas vezes preferem não passar muito tempo gastando suas retinas lendo textos numa tela de computador. Durante certo tempo acreditei ter encontrado um método perfeito: dividia minhas estórias em várias partes, quase como uma novela ou algo assim. Mas hoje já não tenho certeza se esse é uma boa forma de fazer as coisas, a narrativa ficava quebrada e dificilmente os leitores tinham a constância necessária para ler uma estória nesses moldes que muitas vezes se desenrolava por meses.

Isso provavelmente se relaciona ao fato de a diversão buscada por um leitor em um blog não é a mesma que essa mesma pessoa buscaria em um romance ou antologia de contos. Os blogs tem de ser mais leves, o que não quer dizer exatamente que devem evitar temas profundos, mas que caso o façam não devem ser exagerados, mais do que qualquer outro meio os blogs tem uma interação com os leitores muito grande. Quando se planeja uma postagem sobre determinado tema tem de se ter em mente que o leitor deve ser estimulado a pensar muito mais do que receber uma longa dissertação do autor sobre o tal tema, por mais que esse último tipo não anule as divagações do leitor, mas limitam-nas. A diversão que se encontra numa postagem também é diferente: não advêm de uma imersão num cenário densamente trabalhado, por exemplo, mas por outras virtudes dos textos. Quais outras virtudes? Bem, eu não sei exatamente, afinal não sei escrever postagens para blogs!

terça-feira, 25 de maio de 2010

Tim e Jujuba #2

(partindo do princípio de que:
A) eu tô com as postagens aqui atrasadas
e
B) Pouco texto é melhor do que nenhum
aí vai mais uma da série das tirinhas - planejada e escrita a menos de cinco segundos atrás)

Quatro garotos sentados no balcão da pastelaria, cada um com seus respectivos pastel e garrafinha de guaraná. Um deles, visivelmente mais velho e bonitão que os demais, comenta:

- Li um estudo interessante que dizia que, no fim das contas, todo personagem escrito por um autor é, em certa medida, autobiográfico.

- Que o Sorvete nunca permita - o mais baixinho e bem asseado deles responde, após um gole filosófico de guaraná - que nossas vidas sejam tão chatas quanto a sua, Yuri.

- Amém, Doni - concordam todos - Amém.

domingo, 23 de maio de 2010

Talvez uma Intervenção #2

Lost acaba hoje. O último episódio vai ao ar nos Estados Unidos pouco depois que terminar de escrever essa postagem, ou talvez até já esteja passando por lá, afinal será um episódio especial, super longo e que pode começar em algum horário alternativo. E além do mais não faço idéia de que horas devem ser por lá agora. Mas o fato é que depois de 6 anos a série finalmente vai acabar, e apesar disso essa postagem não vai falar de fato sobre a série. Apesar de ser uma série que eu gosto bastante e recomendo para qualquer um que tenha paciência e goste de se divertir criando teorias não vou falar sobre isso, até por que seria meio que tarde demais para fazer isso, afinal hoje vai ao ar o último episódio e depois disso os mistérios que ainda não foram resolvidos vão passar a fazer parte de um passado como eternamente não solucionados, não importando a quantidade de teorias que possam ser feitas a respeito, o que, no entanto, não deixa de ser bom, afinal é sempre bom pensar.

Mas depois disso tudo deve ficar um pouco difícil para que acreditem que esse não é um post sobre Lost, mas na verdade é, ou seja, não é sobre Lost, mas sim sobre o FIM de Lost, ou melhor, sobre o fim de várias coisas. Depois de seis anos a série conseguiu uma legião fiel de fãs, que assistem ansiosos para saber qual será a resolução final das coisas, e como toda série que atrai um culto nerd ao seu redor Lost deu bem o que falar, seja com as conversas entre amigos que todos os constantes tiveram com amigos sobre as mais assombrosas teorias ou por pessoas que simplesmente largaram toda a noção de lado e largaram emprego e família para se dedicar a desvendar os mais profundos segredos e correlações absurdas escondidos na série, e, acredite, isso realmente aconteceu com uma boa quantidade de gente.

Eu fico pensando o que diabos essas pessoas vão fazer agora, ou melhor, como alguém pode chegar nesse ponto. Sem duvida os profetas Losties vão continuar existindo e profetizando os mistérios não solucionados, de uma forma que ainda teremos que agüentá-los por pelo menos mais um tempo, mas não vão mais ser ouvidos. Para a pessoa normal a série vai ter acabado e, por mais legal que ela tenha sido não haverá mais comoção. Isso é uma boa forma de observarmos as diferentes formas que as pessoas têm de encarar o fim das coisas e do quão dependente podemos ser de algo insignificante só por que achamos que aquilo nos faz bem. E não entendam aqui insignificante no sentido pejorativo da coisa, mas sim como aquilo que não exige que seja levado a sério demais. Afinal, por que o fim da série não pode querer dizer simplesmente que teremos uma hora a mais vaga todas as semanas ou a recordação de uma coisa que você gostava de assistir, que com mais ou menos tempo transformar-se-á em uma forma de memória da infância – meu netinho, quando tinha sua idade eu via Lost – ou algo assim. Será que realmente vale a pena fazer com que algo, por mais divertido que seja, assuma na sua vida uma proporção que você não permitiria conscientemente de bom grado? Digo isso por que não acredito que as pessoas que se deixam absorver em tais matérias não o fazem com a razão mas sim com a emoção, quando percebem já estão completamente envolvidas naquilo. No prefácio do seu Picture of Dorian Gray, Oscar Wilde, um cara que definitivamente sabia de algumas coisas sobre a vida afirma: "A única desculpa para fazer uma coisa inútil é a admiração intensa que se tem por ela." O que ele completa com: "Toda arte é meio que inútil." É o tipo de coisa que te faz parar para pensar. O que distingue um artista de um cara que larga tudo para estudar um seriado condenado a acabar hoje à noite? Por que somos mais críticos com estes que com aqueles? Bem, o argumento da cultura não pode ser usado, afinal séries também são cultura, cultura pop é verdade, mas não por isso menos cultura. E o artista da fome kafkiano não seria hoje um fanático por Lost?

A diferença está justamente na capacidade de "let things go", tema de importância vital no dito seriado e que parece não ser tão fundamental na maioria dos aficionados. Mas isso partindo de um preceito que não necessariamente está correto, o de que todos os artistas são espíritos livres, que não é justificável como fica claro em uma plêiade de biografias de artistas, especialmente nas relações pessoais, mas também nos intentos muitas vezes frustrados de construir uma obra que nunca é atingida e, portanto, nunca deixada de lado. Mas nos artistas isso é paixão, nos outros - ou Others como dizem em Lost - isso é obsessão.

PS: Vocês já perceberam em como a voz do Bob Dylan mudou nos últimos discos que ele lançou? Os dois do ano passado mostram uma pessoa completamente diferente dos outros. O maior atrativo que as músicas da fase inicial do Dylan têm são as letras, mas com o envelhecimento a maldita voz dele foi mudando, passando de algo que parecia o pato Donald para um irlandês bêbado, e muitos podem me criticar, mas prefiro ela como está hoje, se bem que durante esse processo de modificação ela teve uns pontos muito bons, mas vai dizer que não é emocionante ouvir Must Be Santa com a atual voz dele.

domingo, 16 de maio de 2010

Fisher, o gato

Meu nome é Fisher e sou um gato. Um gato siamês de estimação para ser mais exato. Gordo e com pelo macio, caramelo na parte superior e escuro na inferior, com os olhos verde-acinzentados e grandes, bastante curiosos. Sou um gato preguiçoso, gosto de ficar perto da lareira quando ela está acesa nos dias frios e em baixo da cama da minha dona quando também está frio mas a lareira está apagada. Dentro de casa dificilmente fica quente o suficiente para que eu precise tomar alguma providência, no máximo posso torcer para que minha dona ligue o ar condicionado no quarto dela e fico por lá, caso contrário simplesmente espero, nervoso, que o tempo melhore, afinal não gosto de água. Sou bem alimentado e raramente faço algum exercício, saí de casa pouquíssimas vezes, mesmo que apenas para ir ao quintal, não gosto de lá: muito ar e muita liberdade; estou muito bem protegido dentro de casa, obrigado. Pode parecer que não mas gatos que como eu não fazem muita coisa tem muito tempo para pensar e, na verdade, também muitas coisas sobre as quais pensar, somos filósofos. Tenho certeza que se os humanos fossem inteligentes o bastante para entender os gatos deixariam que eles pensassem e simplesmente agiriam, se bem que é mais ou menos isso que acontece, as pessoas estão sempre tão ocupadas com coisas para fazer, ou que não fizeram, ou mesmo em como viabilizar que outras coisas sejam feitas no futuro e se arrependendo das coisas que já fizeram que às vezes acho que elas não conseguem de forma alguma pensar. É tão fácil, qual o problema em simplesmente parar e pensar, perceber que as coisas não precisam de tanta turbulência, tanta agitação; pensar e deixar as coisas acontecerem naturalmente. Isso é uma coisa que escuto minha dona falando bastante, aprendeu comigo, mas ela não consegue colocar isso em prática. Às vezes aparecem por aqui algumas pessoas que parecem conseguir fazer isso, mas que nada, pura farsa, olhando nos olhos deles dá pra perceber que não conseguem realmente fazê-lo, simplesmente tentam demonstrar que conseguem para tentar convencer os outros a seguir o exemplo, o que não tem sentido algum, e eles perceberiam isso rapidamente se realmente parassem para pensar.

Eu não gosto de gatos. Isso é até comum na minha espécie, um não gostar do outro, mas para mim isso tem um sentido diferente, simplesmente não gosto de gatos, eles parecem querer transparecer um conhecimento de mundo que na realidade não têm, eles sempre se acham mais espertos que os outros, sejam pessoas ou companheiros felinos. Toda aquela altivez, o jeito de exibir uma malandragem, parecem pessoas que querem parecer aquilo que na verdade não são, apesar de muitos de fato o serem, mas ainda assim essa característica é ampliada enormemente, ou você acredita que gatos são seres humildes? De forma alguma, meu caro, gatos são seres orgulhosos que andam por aí como se tivessem reis em suas barricas mas não valem os ratos que comem nos becos escuros. Mas uma coisas os gatos de rua realmente tem, eles tem liberdade, e uma liberdade que nenhum ser humano pode realmente conseguir, por mais que seja colocado à margem da sua sociedade ou desprenda-se de todas as amarras que o prendem às convenções sociais, econômicas ou ideológicas. Os gatos de rua não precisam se preocupar com isso, tais coisas não existem para eles e, contrariamente ao que ocorrem com os seres humanos, os gatos de rua não são censurados por serem o que são, não precisam se preocupar com qualquer tipo de idéia concebida por terceiros, ou seja, minha própria consideração sobre os gatos de rua não significa nada para eles, um deles nunca se sentiria elogiado ou desmerecido pelo que falei, de fato tudo isso simplesmente não existe para ele porque não tem nenhuma significância prática para o gato de rua. Mas os gatos domésticos também não são muito melhores, são tão orgulhosos quanto seus companheiros de rua, e, na verdade, tão livres quanto. Um gato não se deixa prender contra sua vontade, ele vive cativo em um lar porque é isso que ele quer, pura e simplesmente. Quando quiser ir embora ele vai e, se em caso extremo for privado de sua liberdade contra sua vontade o gato não consegue resistir, seja ele doméstico ou de rua.

Aqui, do lado da lareira ou em baixo da cama, não consigo parar de pensar em pessoas e nos problemas delas, na vida e seus dilemas, não consigo deixar de lado, nunca fui muito bom em desistir de pensar, até porque pensar é aquilo que se resta para fazer mesmo quando já se desistiu de tudo o mais. São as pequenas coisas, os detalhes que você encontra no seu dia-a-dia, às vezes dentro da sua própria casa que fazem com que você passe a perceber o mundo de formas diferentes, não são extremas a ponto de serem chamadas de epifanias, simplesmente são coisinhas que fazem com que você pare por um momento e pense sobre determinado assunto. Eu sou ótimo para achar essas pequenas coisas que me fazem pensar, e sou bom nisso simplesmente porque tento dar a tudo uma chance de me impressionar, seja positivamente ou negativamente, quando damos essas oportunidades e percebemos o resultado disso acabamos por tomar isso como um hábito. Mas sou um gato gordo e preguiçoso, para você talvez as coisas não sejam assim, meu caro, para mim pensar é fundamental mas falar não e depois de falar tanto inevitavelmente fico com sono, espero que você me perdoe, mas vou tirar um breve cochilo, boa noite.

sábado, 15 de maio de 2010

Talvez uma intervenção #1

A idéia não é fazer disso uma coluna dentro do blog ou algo assim, mas simplesmente separar um pouco as abordagens literárias da minha necessidade de divagar sobre uma série de temas. É sempre difícil trazer comentários sobre cultura ou arte sem parecer pretensioso, por mais leve que seja a forma de tratar o tema. Quando se fala, por exemplo, sobre o álbum específico de uma banda, como eu posso fazer com o Howl da banda Black Rebel Motorcycle Club, que estou ouvindo enquanto escrevo; um simples elogio ao trabalho pode parecer como um atestado de qualidade, o que obviamente não é o caso, afinal não sou de forma alguma critico musical ou algo do gênero. Mas sempre é possível deixar tudo isso de lado e falar o que se tem para falar deixando a interpretação completamente a cargo dos leitores. Talvez isso seja errado, talvez não.

Pois bem, vou direto ao ponto e falar sobre um filme que assisti há alguns dias, apesar de não ser um lançamento, muito provavelmente pode ser encontrado na locadora mais próxima, dificilmente na banquinha de DVDs pirata mais próxima. O filme se chama Amadeus e teoricamente busca mostrar como viveu o compositor Mozart, mas isso de fato ficou na teoria, como talvez devesse se esperar de um filme de Milos Forman. A linha narrativa mais interessante se desenvolve paralelamente à de Mozart, com o também compositor Salieri, que desenvolve uma intensa relação de inveja obsessiva para com genial músico. O filme utiliza esse confronto para de forma magistral tratar de assuntos como ódio, loucura, excessos e tenta escrutinizar o talento – de onde vem? Para que serve? Por que alguns o tem e outros não? – sempre com uma visão extremamente humana das situações.

Também usarei esse tipo de postagem para coisas mais descontraídas, como divagações que ache por bem não colocar em contextos literários ou algo do gênero. Mas no momento não vou fazer isso. Em breve um post diferente, mais sintonizado com a proposta central do blog. Cuidem-se.

sábado, 8 de maio de 2010

Talvez OUTRO post

Acho que foi isso que o Yuri quis dizer com momento oportuno. Eu sou o Emannuel e estarei escrevendo semanalmente aqui no Talvez Blog, assim como já tinha sido muito bem explicado por meu amigo. Ao contrario do Yuri eu não sou tão conhecido por um sem número de blogs falidos, na verdade antes dessa empreitada tive apenas um outro, ativo por bastante tempo mas hoje devidamente arruinado. Como também já foi deixado nas entrelinhas eu provavelmente ficarei responsável pelo dark side of the blog, já que tentarei trazer breves comentários sobre música, cinema e literatura além de exercitar a ficção em contos, poemas e até mesmo alguns relatos auto-biográficos abstracionados numa tentativa de criar prosa poética.

Acho que dentre as idéias principais no quando da decisão que tivemos de escrever um blog estava a diversidade, diferentes autores escrevendo nos mais variados estilos que conseguirem as mais variadas coisas, sem medo de que as coisas possam ficar confusas, pois é bem provável que fiquem. Como se já não bastassem as diferenças literárias entre eu e o amigo com o qual dividirei o blog também nos propomos a trazer convidados, caso alguém demonstre interesse em escrever aqui, é claro. Por isso mesmo, caros leitores, o Talvez Blog é para a diversão, nos esperamos que você leia e goste do que lê aqui, que se divirta com os textos sem se preocupar em procurar alguma relação entre as possíveis estórias ( pois eu acho essa palavra sempre mais apropriada para o tipo de post ao que o blog se propõe ) que se desenvolvam em paralelo.

Aproveitando que o Yuri se desculpou por usar a variante agora já antiga da nossa (talvez) querida língua portuguesa, faço o mesmo e desculpo-me também se a linguagem que usarei nos posts futuros possa ser confusa, adoro neologismos e muitas vezes me utilizo expressões que não deveriam se encaixar logicamente ao contexto como recurso estilístico para ressaltar alguma coisa, ou simplesmente por que não sei outra forma melhor para escrever a tal coisa. E só para não chatear fazendo outra postagem deixo já um pequeno poema para vocês.

***

Me perdoe se esqueço

Por alguns minutos –

Já não sou tão jovem

Quanto costumava ser

Meus ossos doem

Como nunca pensei

Que fossem um dia doer.

Quanto tempo passou

Já não sei.

Mas, tempos atrás,

Sei que vivi.

Minha própria memória

Começa a me confundir.

Muito mais tempo do que pensei,

Muito mais tempo do que quis,

Não lembro mais as faces que já amei,

Não as sonho mais como antes já fiz,

Muito, muito tempo atrás

Quando minha mente estava em paz.

Espero que com você isso não aconteça

Espero que você não me esqueça

Mas essa é uma vã esperança,

Provavelmente já me tinha esquecido

Muito antes de sua memória

Começar a lhe pregar peças.


Mas me conceda uma última dança,
Juntos façamos mais essa lembrança.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Tim e Jujuba #1

Dois garotos conversando no balcão de uma pastelaria, cada um com uma garrafa de guaraná nas mãos.

- E são essas evidências, amigo Jujuba, que corroboram minha tese: a humanidade está doente!

Jujuba, o mais rechonchudo dos dois, toma alguns goles antes de responder, tentando formular uma boa resposta. Alguns goles, porém, não são suficientes. Resolve enrolar um pouco, pra ver se ganha mais tempo.

- Ué, Tim, sempre se pode tentar discutir alguma solução...

- Nah, relaxe - Tim toma um gole também - isso de esperança não cabe em uma conversa séria.

Talvez um post

Sou péssimo pra escrever começos, muito ruim com fins e absurdamente sem talento quando se trata de meios. Mas naqueles pedaços de texto que ficam entre começos e meios, e mesmo naqueles entre meios e fins, ah... naqueles eu costumo me dar melhor.

Para poder exercitar melhor minha capacidade com a parte de começar e fazer meios e acabar um texto, resolvi, junto com meu amigo Emannuel - que tem seus próprios motivos e os exporá num momento oportuno -, criar essa coisa, esse Talvez Blog, esse espaço onde teremos liberdade pra escrever Coisas Diversas, comentar sobre Coisas Diversas relacionadas às nossas tentativas de literatura e, eventualmente, chamar amiguinhos que também tenham Coisas Diversas na cabeça e queiram colocá-las aqui.

Evidente que não temos ainda muita certeza de como o negócio todo vai funcionar, mas a proposta geral é a seguinte: Eu mais o Manné procuraremos contribuir, ao menos uma vez por semana, com textos de nossa autoria - temos cá nossas pretensões literárias, afinal, e aqui será nosso espaço de exercício -, preferencialmente estórias (ou histórias, não sei quão disposto é meu amigo a tratar da tal da Vida Real ou a aceitar desvios na ortografia tradicional) o mais diversas possíveis, em ambientações variadas e mesmo com experimentações no estilo. Ainda por cima, convidaremos nossos amigos, normalmente menos pretensos, a participar com suas próprias criações.

Não tenho nenhuma certeza quanto ao sucesso de nossa empreitada, eu sou notóriamente famoso por fracassar num sem número de blogues por aí, mas a Morte é a última que espera, ou alguma coisa assim, então, a princípio, não vejo porque já começar pensando negativo. O primeiro pedaço de texto com que contribuirei aqui, ou melhor, de texto não-metatexto, será uma estória curta, das que eu gosto de chamar "roteiros de tirinhas". Emannuel não me pareceu muito inclinado a acreditar no sucesso de um formato de texto dessa natureza, mas, caramba, acabei de discorrer sobre a insensatez do pensamento negativo prévio, vou tentar manter a coerência por alguns instantes.

Pra encerrar, perdoem-me o desrespeito às novas regras da nossa amada Língua Portuguesa, agora tornada internacionalmente uniforme - a memória é curta, mas o coração é grande.