terça-feira, 29 de junho de 2010

Malditas Tirinhas Invisíveis #2

Dois garotos sentados no sofá da sala da mãe do Tim. Transitam aleatoriamente pelos canais, desesperados: o videogame está quebrado e a internet caiu.

- Jujuba, esse Superpop...

- Que tem, Tim?

- Ou falam coisas idiotas sobre coisas relevantes, ou mostram desfiles de lingerie, ou bizarrices como casais brigando por nada e coisas assim! E tem gente que assiste!

- É verdade. E daí?

- Orra, cara, e daí que onde é que a mídia vai parar desse jeito?

Jujuba daria um gole filosófico de guaraná naquele momento, se sua mãe lhe permitisse guaraná no meio da semana, antes de responder.

- Provavelmente... Casais bizarros brigando por coisas relevantes. De lingerie. Ou alguma coisa do tipo.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Good Luck Living

Julia estava sentada na cama, as costas apoiadas num travesseiro e coberta apenas pelo lençol fino, quase que fino demais para esconder a nudez da mulher. Ela fitava o nada, como que absorta em pensamentos da mais profunda importância. A fumaça lentamente subia do cigarro que segurava em uma das mãos, espalhando-se pelo quarto, que apesar de não ser exatamente pequeno ficou com um aspecto brumoso. O cigarro se consumia parado naquela mão que não se movia; as cinzas caindo na cama e no piso. As janelas estavam fechadas, assim como as cortinas, deixando, no entanto, que passassem borrões de luz do mundo externo. Dentro o quarto estava em penumbra, a pouca luz vindo através de uma das duas portas, que estava entreaberta, a outra estava fechada.

Atravessando a porta entre aberta chegava-se ao banheiro, e nele Jeff se barbeava. Nunca pensou que não fosse se importar em dividir um banheiro; quando era pequeno detestava que alguém além dele usasse o que costumava usar, o cheiro mudava, ficava diferente por dias mesmo que tivesse sido usado apenas para lavar as mãos, mas com Julia era diferente. Talvez por que ele gostasse do cheiro dela, talvez por que os dois tivessem o mesmo cheiro, ele simplesmente não conseguia diferenciar, era como se ela não o usasse, apesar de alguns fios de cabelo longos atestarem que ela estivera por ali. Era costume de Jeff se barbear à noite, mesmo agora quando seus olhos começavam a falhar e suspeitava que em breve teria que passar esse hábito para o dia, ou deixá-lo de lado por completo, mas Julia não ia gostar. Ela dizia não se importar com esse tipo de coisa, com esses detalhes, mas ele não acreditava, não por completo, talvez porque ele considerasse que os dois eram muito parecidos para que ela simplesmente não se importasse. A fumaça começou a entrar pela fresta da porta. Jeff disse a Julia para abrir a janela, coisa que ela nunca fazia, mesmo sabendo que a fumaça do cigarro sempre o incomodava um pouco, talvez uma retribuição tácita pela preguiça dele em fazer a barba. Ele ouviu a janela ser aberta, e isso o surpreendeu um pouco, ela não costumava fazer isso, embora ele não perdesse o hábito de pedi-la. Ele era um homem de hábitos, ela um espírito rebelde, ele muitas vezes esquecia isso, ou deixava de ver nos momentos em que achava as similaridades entre os dois. Logo depois uma música começou, suave. Ele sorriu, sem querer criando um pequenino corte numa das bochechas. Era um disco que havia sido importante para eles no começo do relacionamento, ele se sentiu feliz por ela ter lembrado.

Quando Jeff saiu do banheiro, ainda com uma marca avermelhada no rosto, olhou diretamente para a cama, com um largo sorriso, mas se surpreendeu ao vê-la vazia. Olhou para a janela, uma última vez os olhos dos dois se cruzaram, e então os dela se foram, caindo pelo precipício, para sempre apagados do brilho que tinham em vida. Julia se foi pela janela do décimo primeiro andar, deixando para trás apenas um cigarro apagado sobre uma folha rabiscada às pressas -sua última carta- e uma velha canção.

***

Então pessoal, essa é uma história bem triste, eu sei, mas essa é só uma parte dela, não tenho a intenção de trazê-la em ordem cronológica, são pequenas estorinhas sobre a memória, e como tal não se apresentam de forma ordenada. Eu espero que todas as partes sejam curtas como essa mas não dá pra ter certeza, essa mesmo foi reduzida bastante da sua versão primeira (aquela que ainda está na minha cabeça). A idéia para essas estórias apareceu enquanto eu ouvia Jeff Buckley, apesar de não ter nada em comum com as músicas dele de forma geral elas foram uma fonte de inspiração, então é possível que eu faça algumas referencias, isso sempre me pareceu uma idéia interessante afinal de contas.

"Don't fool yourself, she was trouble from the moment that you met her."

- Jeff Buckley, Forget Her

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Malditas Tirinhas Invisíveis (edição com falas em inglês!!!) #1

Numa estação espacial remota, Darth Blogger e seu aprendiz Emannuluke Skywritter reúnem-se. O jovem está ajoelhado, olhando preocupado para o chão. Não sabia o motivo de o mestre o ter convocado tão subitamente.

A respiração rouca de Darth Blogger se pronuncia. Ele está prestes a se exaltar. O jovem se assusta. Subitamente, porém, cessa o perigo. O mestre contém sua fúria e só diz ao aprendiz uma coisa:

- I find your lack of posts disturbing.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Talvez um conto

Não faço idéia do que seja isso. Na hora, parecia uma boa idéia:

"Tirava a poeira de sua arma enquanto o cavalo seguia preguiçoso pela estrada de terra molhada. Era herói profissional já há muito tempo, o certificado e a licença estavam no alforje, e por mais que a calça e a camisa e mesmo o chapéu pendessem moles e desanimados, sujos com a poeira de estradas anteriores, sabia da importância de uma pistola lustrosa.

Pois os homens só lhe olhavam a roupa quando a arma não estava na mão, e as mulheres não olhavam mais pra heróis depois que eles passavam da idade de ficar rico. Já havia passado há um bom bocado de tempo da idade de ficar rico. Mas o que sempre amara de verdade não era dinheiro ou mulher. Era a estrada. Ficar sozinho em viagem é uma paixão que pega rápido, pr’os que têm disposição.

Cercada de árvores que era a estrada, lançou um olhar lento e fundo na direção do barulho que ouviu vindo do verde mais úmido. Um chlap-chlap cadenciado, obediente. Outro cavalo, menos empreguiçado que o seu, vindo de o que? Uma trilhazinha, sim, era o que lembrava, ia cruzar com esta estrada mais pra frente.

O mundo insistia em o fazer encontrar-se com pessoas diversas nesses cruzamentos entre trilhazinhas e estradas. Na última dessas a cigana lhe queria ler o destino, mas ele recusara, que isso de destino não havia mais depois de sua idade.

A cigana ficara brava. Em seu tempo de antes da idade de ficar rico, teria pensado assim: A cigana ficara brava, pobrezinha. Mas muito se vai depois que o herói passa da idade de ficar rico, inclusive a capacidade de pensar na cigana como pobrezinha.

Essa vez, que a partir de agora era a última, ou, a nova última vez, que era agora, não era cigana. Era um que fazia seu cavalo preto lustroso e gordo andar cadenciado. Daquele tipo de gente que as vezes se era contratado pra matar. Pelo chapéu e pelo fraque e pelo bigode fino e pelos pedaços de vidro redondos na frente dos olhos, devia ser filho de prefeito, ou gente alta das cidades.

Só tinha ido às cidades nas épocas mais magras, em trabalhos mais provisórios que o normal, que as cidades o cansavam com tudo aquilo de gente e barulho. Fora seu erro. Os que ficavam ricos eram os que ficavam nas cidades. Não há espaço para heróis se não ao lado de um político ou de um comerciante graúdo, daqueles de vender pra cidades distantes e tudo mais. Daqueles que tem retrato do Imperador na parede e contato constante com os Generais.

Boa tarde, cavalheiro, falou o homem de fraque. Não sabia se o cavalheiro era distinção ou... como se dizia? Ironia. Resolveu que era distinção, por que não se faz isso de ironia com quem está lustrando uma arma.

Pois está boa, respondeu, espero que a sua também. Ficou quieto, que já não conversava com ninguém fazia tempo. Se lhe risse o jovenzinho de bigode pequeno das palavras, tinha medo de o querer estourar. E o povo das cidades ri de qualquer palavra errada que não seja a deles.

Mas ele queria conversar, e não seria rude de não responder nada, que não era homem de rudezas com quem não tinha virado inimigo ainda.

Você por acaso está indo para os lados da vila de Trasmorro? Estava. E respondeu afirmando, suspiro temendo ser acompanhado. Bom!, eu venho vindo do litoral até aqui, já passei um tempo bom perdido nessas trilhas, o homem deu uma risada, vou lhe acompanhar até Trasmorro então, tenho um serviço para fazer por lá.

Também achava que tinha um serviço pra fazer em Trasmorro. Nenhuma certeza, na verdade. Mas o Pai da Vila mandara chamar. E o povo das vilas costumava pagar rápido pros serviços de heroísmo mais urgentes. Não que pagar rápido fosse o mesmo que pagar muito, mas já passara da idade de ficar rico mesmo."

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Romance de Carnaval

"Fitas coloridas. Manchas alcoólicas tremulam na multidão. O samba que invade o peito não é o mesmo de outros carnavais. É uma cópia distinta que sacode, sempre sem motivo, como se fosse o primeiro ímpeto de dança que já teve em sua longa vida. Nesta tarde de festa, a colombina não saiu a exalar seu charme de mistério resolvido nos salões da vida. Foi visitar a mãe que passara mal na véspera.

A fantasia jazia apagada no armário, mas o Pierrot não derramou lágrima sequer. Depois de incontáveis tragos saiu agarrado a uma morena faceira que sambava descontraída no salão e cuja fantasia não conhecia.

O velho Arlequim já havia sumido a tempos. Pitava um cigarro em certo porto inseguro de uma cidade qualquer acompanhado agradavelmente por suas desgraças. No silêncio de um minuto de reflexão, criou uma música. Talvez um samba diferente para outros carnavais mais despreocupados.

E tudo era dança, agitação. Aquela folia gasta que envolvia os corpos e fazia com que não ouvissem nada, seja passado, presente ou futuro. Porque no fundo todos sabiam que, naquele romance de carnaval, pouco importava a fantasia."

Pelas mãos da M.A. cujos textos vocês podem achar em maior quantidade aqui. Gosto dos tons simultaneamente melancólicos e suaves que ela dá mesmo a alguns temas sobre os quais eu só conseguiria fazer estorinhas felizes e espero que vocês também gostem (e comentem por lá - ela adora comentários).

Esse texto, obviamente, se encaixa na parte da proposta do blogue sobre trazer contribuições de escritores amigos (ou enamorados, no caso específico) e me dá alguns dias para terminar de escrever o enfim não-mini-ou-meta texto para postar.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

T.U.I. #3 (ou Sobre como minhas postagens deviam ser)

Eu não sei escrever postagens para blogs. Por mais que já devesse estar acostumado a fazê-lo ainda não consigo. Já publico textos por meio virtual com certa freqüência a pelo menos 3 anos e ainda assim nunca perco os hábitos que tenho quando escrevo algo em meus velhos caderninhos, por isso acabo por muitas vezes preferir escrever por aqui textos como esses, mais pessoais e com tendência a serem uma simples observação sobre a vida, o universo e tudo o mais, como fazem alguns dos meus blogs favoritos. Tenho a convicção de que se fosse realmente me dedicar a publicar nesses espaços contos ou coisas do gênero acabaria sendo um importuno para os leitores, que muitas vezes preferem não passar muito tempo gastando suas retinas lendo textos numa tela de computador. Durante certo tempo acreditei ter encontrado um método perfeito: dividia minhas estórias em várias partes, quase como uma novela ou algo assim. Mas hoje já não tenho certeza se esse é uma boa forma de fazer as coisas, a narrativa ficava quebrada e dificilmente os leitores tinham a constância necessária para ler uma estória nesses moldes que muitas vezes se desenrolava por meses.

Isso provavelmente se relaciona ao fato de a diversão buscada por um leitor em um blog não é a mesma que essa mesma pessoa buscaria em um romance ou antologia de contos. Os blogs tem de ser mais leves, o que não quer dizer exatamente que devem evitar temas profundos, mas que caso o façam não devem ser exagerados, mais do que qualquer outro meio os blogs tem uma interação com os leitores muito grande. Quando se planeja uma postagem sobre determinado tema tem de se ter em mente que o leitor deve ser estimulado a pensar muito mais do que receber uma longa dissertação do autor sobre o tal tema, por mais que esse último tipo não anule as divagações do leitor, mas limitam-nas. A diversão que se encontra numa postagem também é diferente: não advêm de uma imersão num cenário densamente trabalhado, por exemplo, mas por outras virtudes dos textos. Quais outras virtudes? Bem, eu não sei exatamente, afinal não sei escrever postagens para blogs!