sábado, 30 de outubro de 2010

Café Frio


- Qual o problema com você hoje? Não pode passar o dia inteiro na cama. – Ele falava suavemente enquanto ela continuava deitada em posição fetal, os olhos bem fechados, meio encoberta no lençol branco, difícil saber onde acabava o lençol e começava a pele. Ela respondeu apenas com um gemido doce. – Eu sei que o dia está ótimo para isso, mas pelo menos fale alguma coisa, pelo menos me mande embora. Você não pode passar um dia inteiro sem nem mesmo abrir os olhos, estou aqui a horas tentando falar com você, qualquer sinal de que você está bem serve.
A voz dele já tinha assumido um tom suplicante a mais de meia hora, ele estava prestes a desistir, e ela sabia disso. Não era do feitio dela fazer aquilo, já estava perto de anoitecer, ela tinha matado aulas, deixado de lado o livro da cabeceira, por mais que ele fosse tranqüilo não tinha como não se preocupar com aquilo. Ela abriu um dos olhos que ele tanto gostava, apenas um, e deu um meio sorriso, de leve, quase irônico, mas sincero. Ninguém conseguia sorrir daquele jeito se não estivesse bem. Aquilo o deixou mais tranqüilo, embora não menos curioso. Deu um longo suspiro. Foi para a cozinha e fez um café, golpeou algumas letras da velha máquina de datilografar que ela lhe dera de presente alguns meses atrás. Não saiu muita coisa daquela cabeça, não costumava escrever sem música, mas naquele momento estava com muita preguiça para fazer qualquer coisa, até mesmo simplesmente colocar uma música para tocar. Isso lhe acontecia com certa freqüência, ela deveria estar começando a se parecer com ele, mas isso não deixava de ser estranho, ainda não estavam morando juntos, embora passassem a maior parte das horas livres juntos. Ele tinha muitas horas livres, ela não. Talvez seja uma das vantagens que se ganha quando decidimos escrever: ninguém vai te respeitar enquanto você estiver vivo, e nunca vai conseguir uma vida digna, mas pelo menos sempre vai ter tempo livre, todas as outras atividades se tornam secundárias, não importa o quão a sério você as leve. Não gostava do café quente, sempre deixava esfriar por uns bons minutos antes de tomar o primeiro gole.
Começou a ficar escuro demais para escrever. Arrancou a página da máquina e a amassou, mastigou por alguns segundos e jogou no lixo a folha salivada. Levou a caneca de café até a pia. Não acendeu nenhuma luz, simplesmente foi para o quarto. Ela ainda estava deitada na mesma posição. Os cabelos escuros e volumosos ocupando boa parte da cama. Sentou-se apoiado num dos travesseiros. Se nenhuma resistência levou a cabeça dela até o seu colo. Pode ver aquele sorriso de novo, mas nenhum dos olhos. Ele também fechou os olhos e começou a pensar, difícil dizer em que. Não saberia dizer que horas seriam quando finalmente ouviu ela começar a ressonar. Acariciou lentamente os cabelos ondulados, sentiu a pele macia com cuidado. Não muitas horas atrás aquele nariz e lábios pequenos estavam começando a desinteressá-lo, mas naquele momento, depois de um dia inteiro no qual ela se recusara a falar, cada palavra que pudesse sair daqueles lábios lhe seria valiosa, cada vez que o ar que saía daquele pequeno nariz batia no seu peito se sentia mais tranqüilo, por saber que apesar de imóvel ela estava bem. A escuridão das janelas fechadas não lhe permitia enxergar as expressões do rosto dela, mas a pesar disso sabia que estava sorrindo.
Na manhã seguinte acordou cedo. Enquanto fazia café escreveu algumas palavras, achou que hoje seria mais produtivo. Estava certo, de certa forma. O dia ainda estava com aquela cor acinzenta que só tem pela manhã mas colocou algumas músicas para tocar. O café já deveria ter esfriado, voltou para a cozinha e encontrou-a lá. Vestindo apenas uma das camisas velhas dele, de um azul meio acinzentado, como o céu pela manhã. Segurava duas canecas com café e quando se virou para ele estava rindo, não sorrindo, e de um jeito que não era de todo inocente. As canecas de café ficaram pela metade, e geladas. Aquele dia os dois passaram na cama.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O dilema do mágico

Ao perceber que o truque daria errado – e ao constatar as inevitáveis consequências disto – o mágico se viu enfrentando um curioso dilema:

Afinal de contas, de qual das metades de sua assistente ele gostava mais?

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Pretensão Poética número um(nico)

Provavelmente havia um caracol
- em algum lugar do Universo -
                                                                    naquela noite
                                                                     - naquela noite,  uma menina
[bonita dormia -

Caracóis não precisam pensar a respeito pra comer suas folhinhas
[verdes
- meninas bonitas não precisam pensar a respeito pra alguém
[amar elas.