segunda-feira, 28 de novembro de 2016

10 maneiras de conquistar o coração de um artista

Não existe arte ou artista, porra
Nem artista, e nem arte, e nem nada
Existe a palavra, conforme escorra
Como o chão percorrido chama estrada

Não há aí dom ou talento ou carisma
Nem gênio, nem mágica ou profecia
Existe a palavra, conforme cisma
Como um profeta que se autoanuncia

A imagem é delírio, a rima é pretensão
todo castelo não passa de seus tijolos
nem mesmo os sonetos tem materialidade

A única resposta pra arte é o não
qualquer outra coisa é se render à vaidade
querer, com palavras, constelar subsolos

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Os fenícios


Que se diga dos fenícios que não são como nós

se diga que seu hábito de usar fardas
e carregar metralhadoras ostensivamente
era diferente do nosso
que nossas fardas são mais sagradas
que nossas armas são mais pias
que nossos motivos são outros

que se diga que os fenícios matavam judeus e homossexuais por razões profanas
os judeus que nós matamos
os homossexuais que imolamos
o fazemos pelos motivos mais justos
completamente diferente do que faziam os fenícios

que se diga que os oradores dos fenícios eram cobras
que hipnotizavam os ratos da massa e os engoliam
e que se lembre que os nossos oradores são homens santos
que amam a massa e a engordam com carinho
para que não se torne em multidão

que se diga que os muros dos fenícios e seus campos de concentração
eram uma ofensa aos deuses romanos
e que pela graça divina foram derrubados
e que pela graça divina construímos muros maiores e campos de concentração mais formidáveis
para a glória dos deuses romanos

que se diga que os circos dos fenícios eram impuros
que seu desprezo pelos etíopes e ciganos era deplorável
que seu patriarcado e seus estupros eram ofensivos
ao contrário de nosso patriarcado e dos nossos circos
de nossos estupros e de nosso racismo
todos feitos conforme a vontade de deus

Que se diga de nós que somos completamente diferentes dos fenícios

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

soneto do aluguel

o peso do seu braço no meu peito
abafa a luz do poste que perfura
meus olhos, que afasta a noite escura
e aclara o chão concreto em que me deito

o peso do seu braço no meu peito,
abafa, como a chuva, a paúra
dos cães e dos fiscais da prefeitura
das contas e juízes de direito

seu braço no meu peito é uma estrada
que rasga no meu rosto um sorriso,
é cicatriz ferida que não sara

guardada no meu peito, joia rara.
amor, pra seguir vivo eu só preciso
seu braço no meu peito, a lua, e nada

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

hierofante


amanhã é o dia que me pertence
em que levantarei e farei grandes e terríveis coisas

eu, sacerdotisa de um deus morto
cavaleiro de uma princesa decapitada
suserano de castelos submersos
mãe divina de povos esquecidos

amanhã é o dia que me pertence
como sempre há de ser